quinta-feira, 10 de maio de 2018

Crítica: Ingrid Vai Para o Oeste

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por Fernando Labanca

"Ingrid Goes West" é uma comédia dark, que de tão trágica não conseguimos rir. Nos faz questionar se deveríamos ver humor em tudo o que nos revela. Ao seu fim, me senti diante de tudo o que não esperava...atingido por um drama denso, reflexivo e tão humano quanto perturbador. Se trata de uma trama que nos afeta justamente por ser tão próxima de nós, por falar sobre algo que vemos todos os dias. E que, apesar de seus exageros e bizarrices, é sim sobre todos nós, sobre as mentiras que dizemos a nós mesmos. Sobre a pessoa que inventamos e tentamos vender nas redes sociais. É um retrato triste sobre a modernidade e as consequências de se viver cercado que tudo que não é mais real. 

Aubrey Plaza interpreta Ingrid, uma jovem viciada em aplicativos. Passa suas horas curtindo fotos, vendo vídeos e interagindo com pessoas que desconhece. Dona de uma grande herança deixada por sua mãe, que faleceu recentemente, decide investir seu dinheiro em uma viagem para Los Angeles, lugar que reside Taylor Sloane (Elizabeth Olsen), uma nova influencer digital. Apaixonada pelo estilo de vida cool e descolado de sua musa, Ingrid coloca em prática um bizarro plano de aproximação, tentando aos poucos fazer parte daquela rotina, se tornando aquilo que ela tanto admira e que só era real nas fotos que curtia. 


Ainda que traga uma visão cômica dessa situação, é estranhamente desconfortável e assustador todo o desenvolver da trama. É muito crível, também, principalmente quando entra em cena Taylor e este estilo de vida que fica tão belo no perfil do Instagram. Curioso como, de longe, ela é uma pessoa extremamente fantástica e que, sim, também gostaríamos de ser amigos dela, no entanto, quanto mais conhecemos sobre sua rotina, seu passado e seus relacionamentos, mais percebemos o quanto tudo é vazio, sem sentido. O filme, então, reflete o tempo inteiro sobre essa dupla personalidade. De Ingrid que se transforma para fazer parte de uma vida que não é sua, enquanto seu parceiro de cena, interpretado pelo carismático O'Shea Jackson Jr., tem como grande inspiração o Batman, aquele que cria uma outra identidade para ser herói. Temos ainda o personagem Ezra (Wyatt Russell), um artista que se recusa a vender seu trabalho nas redes sociais, como se isso o fizesse perder sua integridade. 

Se desde o início, julgamos as estranhas atitudes da protagonista, a ironia de "Ingrid Goes West" vem quando nos damos conta de que no fim Taylor não é tão diferente dela. Tirando o fator sociopata - que lembra a obsessão de O Talentoso Ripley -, ela também cria uma outra versão de si mesma para parecer mais interessante nas redes sociais. Ela se auto promove constantemente, tentando vender esta vida tranquila, livre, bela e sem problemas. É bizarro o momento em que Taylor faz um homem se abaixar na rua para tirar uma boa foto dela. Como se sua vida real fosse os bastidores e o que acontece no Instagram fosse a parte que importa. Uma boa viagem, amigos, um bom prato de comida. Nada existe se não for registrado. E nada é bom o suficiente se não tiver a luz e o enquadramento perfeito. Isso é chocante, mas nos assusta porque essa identidade que ela constrói para si é a identidade que construímos para nós mesmos, todos os dias, em cada novo post, em cada novo storie. As críticas da obra são dolorosas porque estão mais perto de nós do que gostamos de admitir. 

Apesar de ser seu primeiro longa-metragem, Matt Spicer, que lançou sua obra no Festival de Sundance, faz tudo com a qualidade de um veterano. Um filme muito bem construído, com um roteiro que vai crescendo e se tornando mais complexo e com resoluções cada vez mais complicadas. A trilha sonora também se destaca, assim como a fotografia e a excelente montagem. Aliás, é muito verossímil todo este universo que a produção cria, desde o desenvolvimento desses influencers digitais, com seus figurinos, roupas e objetos que compõe tudo isso. Aubrey Plaza, que sempre esteve ligada a comédia, encontra aqui o espaço para mostrar que pode ir além disso. Toda a loucura, solidão e obsessão de Ingrid ganha força por sua surpreendente composição. Temos ainda uma Elizabeth Olsen que preenche a tela quando aparece. Mais do que carisma, ela traz uma enorme verdade a sua personagem e por mais errado que seja, sentimos empatia por ela. Mais um trabalho fantástico da atriz. 

"Ingrid Goes West" encontra, ainda, um ótimo final. Não poderia ter terminado de outra forma e é ótimo quando sentimos isso de um filme. Nos faz pensar, com todas as suas bizarrices, no que a tecnologia tem nos transformado. Em tudo o que mudou com a acessibilidade das redes sociais. Nos faz refletir sobre essas necessidades banais que passamos a ter. Sobre os heróis banais que passamos a seguir e a idolatrar. Uma comédia sobre o nosso tempo, sobre nossa geração. Seria lindo se pudéssemos rir de tudo isso. Mas é triste e assustador demais para isso.

NOTA: 8,5


País de origem: EUA
Título Original: Ingrid Goes West
Ano: 2017
Duração: 97 minutos
Distribuidor: -
Diretor: Matt Spicer
Roteiro: Matt Spicer, David Branson Smith
Elenco: Aubrey Plaza, Elizabeth Olsen, O'Shea Jackson Jr., Wyatt Russell, Billy Magnussen, Pom Klementieff




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