segunda-feira, 6 de novembro de 2017

Crítica: O Estado das Coisas (Brad's Status, 2017)

Problema de gente grande.

por Fernando Labanca

Brad (Ben Stiller) é um homem bem casado, classe média alta e com uma vida profissional lucrativa. Isso, para muitos, poderia ser uma grande conquista, mas para ele isso não é suficiente. Esta crise de inferioridade cresce ainda mais quando é obrigado a assistir o sucesso de seus amigos da época de faculdade, que são matérias de revistas e televisão e possuem uma vida mais perfeita que filtro de instagram. Enquanto vive este momento de muitas reflexões, Brad se lança a uma jornada ao lado de seu único filho (Austin Abrams), para que ele decida qual faculdade ingressar no futuro, dando, enfim, seu primeiro passo de sucesso.

"O Estado das Coisas" possui um texto fascinante e funciona quase como um diário do protagonista. E durante seus minutos, acompanhamos um relato bastante íntimo sobre tudo o que lhe passa a mente, dos pensamentos mais vergonhosos aos mais absurdos, mais corrosivos. É o status atual de Brad - assim como anuncia seu título original -, mas poderia ser o meu, poderia ser o de qualquer um. Por mais cruel que seja este estado em que ele se encontra, o roteiro, escrito pelo comediante Mike White, fala mais sobre nós do que gostaríamos de aceitar e justamente por isso, é estranhamente doloroso, desconfortável. Comparar nossa vida com a dos outros é um exercício natural, inútil, mas que fazemos com uma certa frequência. O único resultado disso é uma sensação de fracasso, de que a grama do vizinho é mais verde, de que a felicidade e o sucesso alheio são sempre mais altos que o nosso. De longe, parece uma crise existencial tola, mas ela existe, faz parte de nós. Faz parte, ainda, principalmente, desta geração que assistiu a evolução da tecnologia, que hoje vê seus melhores amigos esbaldando uma vida que nunca teremos, onde cada pequeno pedaço de sucesso é postado, vendido, compartilhado. Uma ideia falsa, claro. Mas uma ideia que nos afeta.







Seguindo esta linha, a idade também acaba sendo um peso. Existem estágios em nossa jornada que só passamos quando temos determinada idade. Quando passa, já era. Nada se recupera. Hoje, as pessoas de vinte são bem bem-sucedidas. Quando se tem 30 e não se alcançou o que a sociedade exige, parece que estamos abaixo. Não demos certo. É curioso como esta crise existencial bate em Brad justamente quando ele vê o inevitável sucesso de seu filho. É brilhante sua expressão quando ouve que o jovem garoto poderia recusar uma das maiores universidades do país. Um caminho perigoso que o roteiro segue, no entanto, o texto de Mike White tem esta coragem de falar sobre a inveja entre o pai e seu próprio filho. Não é fácil escrever sobre isso, também não é fácil ver isso no cinema e não se sentir incomodado. Mas é um sentimento real e assim como tudo em "O Estado das Coisas", é extremamente humano. Este encontro entre o pessimismo de Brad com o idealismo dos adolescentes, ganha alguns momentos fantásticos na tela, como quando ele assiste a conversa de duas belas garotas e se dá conta de que só tem uma vida para viver. O que acertamos ou erramos, ficou para trás. Não há segundas chances quando pensamos em nossa idade. Ver o sucesso dos mais jovens - que lhe permite viajar e degustar alguns sonhos impossíveis - é como ver todas as outras vidas que ele jamais teria.

Outro ponto interessante da obra - e um de seus maiores méritos - é que em determinados momentos sentimos raiva do protagonista, porque de fato, ele tem tudo. Ele é o homem branco e heterossexual. No entanto, o próprio roteiro não parece ter pena dele, não o torna uma vítima. E quando menos esperamos, ele está lá, sendo duramente julgado. Enquanto perdemos tempo tentando problematizar a trama, ela, sabiamente, já se auto critica. Ben Stiller torna esta estranha experiência possível, também. Não que Brad fuja muito de seus últimos papéis no cinema, deste adulto com ar melancólico. Mas aqui há um tom mais emotivo e ele surpreende. Sua parceria com Austin Abrams passa bastante verdade, e isso se deve principalmente ao talento do jovem ator, que traz uma espontaneidade admirável, tornando algumas cenas ainda mais singelas, como o tocante e último diálogo entre os dois. Dentre os coadjuvantes, Michael Sheen se destaca.

"O Estado das Coisas" não tem um formato muito convencional e pode até espantar parte do público. Sua constante narração em off o deixa um tanto quanto cansativo, e algumas imagens que poderiam dizer por si só, ganham sempre a intervenção dos pensamentos de Brad. Funciona, não só pela boa performance de Stiller e do excelente texto, mas que poderia ter sido um recurso mais controlado. A trilha sonora de Mark Mothersbaugh é fantástica, assim como a direção de Mike White, que apesar de não ter uma carreira longa no cinema, entregou uma comédia refinada, bem produzida, que pode até falar sobre "problemas de gente branca", mas é problema de gente adulta também, e é preciso coragem para admitir que a mente de Brad é a nossa também. Um filme absurdamente sincero, inteligente e surpreendentemente maduro.

NOTA: 8





País de origem: EUA
Duração: 101 minutos
Distribuidor: Imagem Filmes
Diretor: Mike White
Roteiro: Mike White
Elenco: Ben Stiller, Austin Abrams, Jenna Fischer, Michael Sheen, Luke Wilson, Jemaine Clement, Mike White





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