segunda-feira, 13 de novembro de 2017

Crítica: Como Nossos Pais (2017)

"Como Nossos Pais" traz um discurso necessário aos novos tempos e marca, de vez, Laís Bodanzky como uma das maiores cineastas do cinema brasileiro.

por Fernando Labanca

O filme é um dos mais relevantes do cinema nacional deste ano. "Como Nossos Pais" faz uma crítica ao sistema patriarcal que ainda rege nossa sociedade, colocando uma protagonista disposta a enfrentar isso, nos fazendo, desta forma, refletir sobre este peso existente em ser mulher no mundo de hoje. Em ser a mãe, a esposa e a profissional perfeita. Nesta luta diária de se provar e procurar um espaço em um mundo que finge que te aceita, mas não está pronto para lhe abrir todas as portas. É um discurso feminista que merece ser ouvido. Que precisa ser ouvido. Se trata de um roteiro consciente de seus atos, objetivo e muito bem pontuado. É, também, leve e gostoso de ver, que nos inspira, nos dá o impulso para vermos nossa sociedade com outros olhos.


Maria Ribeiro interpreta Rosa. Mulher. 38 anos. Esposa de Dado (Paulo Vilhena) e mãe de duas filhas. Profissional exemplar, deixou seus sonhos para trás para seguir com o emprego as contas. Seu modo de encarar sua rotina tão comum, no entanto, se altera quando em um almoço de família, sua mãe (Clarisse  Abujamra) lhe revela que ela não é filha do homem que chamou de pai a vida toda. Desta situação inesperada, nasce uma forte crise de identidade, a fazendo não só questionar seu papel dentro da família como seu papel dentro do mundo, como mulher. 

Poderia até ser a premissa de uma novela das nove, da história da moça indefesa que vai atrás de seu pai biológico. No entanto, a grandeza da obra está nas consequências que este evento acaba dando origem, onde a revelação da mãe acaba não passando de um pano de fundo, uma justificativa para todos os belos discursos que o roteiro quer dizer. O ponta pé inicial para uma jornada de conhecimentos. Uma jornada de libertações. A trajetória de Rosa é linda e nos convence até mesmo quando se aproxima do novelesco. Parece uma homenagem às mulheres. Uma carta dita por esta grande personagem que representa tantas pessoas, tantas histórias. É interessante como ela começa a questionar seu papel na sociedade, vivendo sob tantas regras não ditas, justamente quando ela descobre que sua identidade dentro da família não era real. É como se pela primeira vez ela pudesse ser quem ela quisesse ser. Inteiramente. De pura verdade. A liberdade de traçar o próprio caminho e não mais o caminho imposto pelo passado. 

O texto de Laís Bodanzky é extremamente delicado. Desde a relação entre os membros da família e aqueles momentos corriqueiros até os momentos de tensão causados pelas desconfianças e pelo medo de perder alguém, logo que Rosa, no meio de seu caminho, ainda descobre que sua mãe sofre de uma doença maligna e que seu marido pode estar lhe traindo. Os conflitos causados por tudo isso acabam gerando ótimas sequências e discussões emocionantes, como a cena final entre o casal protagonista, que sintetiza bem o poder da obra. Um texto potente, sincero e muito humano. A delicadeza de toda a equipe se vê ainda em momentos como quando a mãe, em um instante bastante significativo, toca a canção de Elis Regina que deu título ao filme, no piano. É lindo. É tocante.

A presença de Maria Ribeiro torna esta proposta ainda mais crível. Ela traz em cena toda a força e sensibilidade necessária para compor a protagonista. Ribeiro é o filme, nos hipnotiza e não nos permite desviar o olhar dela. Emociona e diverte em uma mesma sequência, trilhando com perfeição entre o drama e seu modo único de fazer humor, deliciosamente sarcástico. Merecido sua consagração no Festival de Gramado por seu papel. Paulo Vilhena, que na mesma premiação saiu vitorioso como Melhor Ator, não decepciona mas também não justifica seu troféu. É um personagem pequeno e nada memorável. 

"Como Nossos Pais", se mostra, por fim, um produto refinado e de extrema relevância no mundo atual. Além dos ótimos debates que revela, o filme encanta pelas relações familiares que costura e diverte com seu texto leve e sempre bem humorado. E como já disse outras vezes aqui no blog, a sétima arte ainda é muito dominada pelos homens, por isso, é sempre bom quando encontramos essas idéias brilhantes criadas e defendidas por mulheres. Não é de hoje que Laís Bodanzky faz do cinema nacional melhor e este seu último trabalho é a prova de que ela continua no caminho certo.

NOTA: 9





País de origem: Brasil
Duração: 105 minutos
Distribuidor: Imovision
Diretor: Laís Bodanzky
Roteiro: Laís Bodanzky, Luiz Bolognesi
Elenco: Maria Ribeiro, Clarisse Abujamra, Felipe Rocha, Paulo Vilhena, Jorge Mautner, Herson Capri

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