segunda-feira, 27 de novembro de 2017

Crítica: Com Amor, Van Gogh (Loving Vincent, 2017)

Inspirado na vida e obra do gênio Van Gogh, a animação "Loving Vincent" inova ao ser inteiramente feito com pintura a óleo. Com uma equipe que contou com mais de 100 artistas, frame por frame foram pintados para dar movimento ao filme que, desde já, podemos afirmar ser um marco na história do cinema.

por Fernando Labanca

Desde quando li a respeito do projeto, fiquei intrigado. Como poderia tal ideia ser possível? 65.000 quadros pintados à mão é um nível de loucura muito grande, no entanto, parece não haver forma mais justa de homenagear o pintor Van Gogh do que essa. É como se fosse um filme feito por ele. Mais do que isso. É a maneira mais honesta de honrar seu trabalho e por isso, poder ver o resultado final de tudo isso é de uma beleza indescritível. Quando "Loving Vincent" terminou, senti uma facada no peito. Enfim, me dei conta de sua triste jornada. Enfim me dei conta de que ele jamais viu o reconhecimento de seu trabalho, jamais soube o quanto suas obras sobreviveram ao tempo e inspirou tanta gente, de tantas formas. O cinema finalmente encontrou Van Gogh e assim como suas telas, o longa-metragem, dirigido pela dupla Dorota Kobiela e Hugh Welchman, também é uma singela e memorável obra de arte.


Certa vez, o pintor disse que falava através de suas telas e foi assim que eles resolveram contar um pouco sobre sua história, deixando com que sua própria arte nos dissesse. Desta forma, é possível encontrar seus quadros como cenários e alguns de seus famosos retratos como os personagens. O céu iluminado de "A Noite Estrelada", as perspectivas desalinhadas de "O Café à Noite na Place Lamartine" e "Quarto em Arles", e o olhar fraterno de de um homem ruivo retirado do "Retrato do Dr.Gachet". E tudo vai se encaixando e o ótimo roteiro acaba por construir uma fascinante sequência de eventos, entre presente e passado e entre diferentes técnicas de pintura e coloração. É curioso, também, como apesar de tudo, Van Gogh não é o protagonista aqui. É sempre o foco, mas em nenhum momento vemos sua jornada através de seus próprios olhos. Conhecemos o pintor pela fala dos outros, pelo olhar e julgamento daqueles que o cercavam. Por fim, "Loving Vincent" não desmistifica sua conturbada vida e nem tenta acabar com as incógnitas que ficaram antes de sua morte. Na tela, ele está sempre de passagem, sempre na penumbra, onde são poucas as vezes que encaramos seus olhos profundos. Jamais poderemos compreender a mente do gênio. O filme mostra, através de um texto bastante sensível, a dor e melancolia existente em Van Gogh, sem querer justificá-la ou usá-las como razão para suas misteriosas decisões. 


O filme inicia um ano após a morte do pintor (Robert Gulaczyk), quando o jovem Armand (Douglas Booth), a pedido de seu pai e carteiro (Chris O'Dowd), decide ir atrás de Theo, irmão de Van Gogh, para lhe entregar a última carta deixada pelo artista antes de cometer suicídio. No entanto, em sua longa viagem, acaba por descobrir que Theo também havia morrido. A partir de então, ele passa a procurar por um novo destinatário, alguém que possa ter em mãos as últimas palavras de Vincent Van Gogh. Porém, nesta sua procura, acaba por se aproximar e se envolver profundamente na jornada daquele homem que pouco conheceu, lutando para compreender as razões que o levaram a tirar a própria vida.

São vários os personagens que Armand vai conhecendo em seu caminho e a cada novo encontro, descobrimos um pouco mais sobre Vincent. E ficamos ali, intrigados por cada nova descoberta, investigando, ao lado do protagonista, o que poderia ter acontecido para um talento tão promissor desistir de si mesmo. As respostas, obviamente, não chegam. O que nos alcança, porém, é aquela sensação de vazio. Relações conturbadas, humilhações constantes, um amor não correspondido, a dor de ser um peso para o irmão que tanto amava. É muito delicado cada um desses eventos, que acabam por oferecer um personagem complexo, que sente a dor dos próprios passos. Que olha para as estrelas, vê a beleza enquanto tenta alcançá-las. Que segue suas paixões, mesmo quando ela não o sustenta, não o torna parte da sociedade. Vincent Van Gogh buscava a verdade, mas a verdade nunca lhe foi o suficiente. Ele, pintor e amante das cartas, recebe este filme que é, além de 65 mil belas pinturas, uma carta de amor ao seu trabalho e à sua jornada. Lindo em todos os sentidos e surpreendentemente inovador, temos aqui uma experiência cinematográfica única, que não se compara a nada feito antes.

NOTA: 9





País de origem: Polônia, Reino Unido, Irlanda
Duração: 95 minutos
Distribuidor: Europa Filmes
Diretor: Dorota Kobiela, Hugh Welchman
Roteiro: Dorota Kobiela, Hugh Welchman, Jacek von Dehnel
Elenco: Douglas Booth, Jerome Flynn, Saoirse Ronan, Robert Gulaczyk, Aidan Turner, Chris O'Dowd, Helen McCrory


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