quinta-feira, 26 de outubro de 2017

Crítica: O Círculo (The Circle, 2017)

Baseado no livro de Dave Eggers, um dos autores mais consagrados da atualidade, "O Círculo" tem ideias brilhantes mas sua mal execução o tornam em um produto extremamente descartável, insosso e um tanto quanto irresponsável. 

por Fernando Labanca

É espantoso saber que o próprio Eggers assinou o roteiro. É, também, difícil de entender que se trate de um filme de James Ponsoldt (O Maravilhoso Agora). O diretor provou ao longo de sua curta carreira ser um profissional talentoso, no entanto, não há como defender este seu último trabalho. O que vemos na tela é uma sucessão de equívocos, que parece afundar a carreira de todos os envolvidos. É uma pena quando isso acontece. Quando uma premissa tão interessante e de certa forma, tão relevante no mundo atual, é destruída por um filme preguiçoso, que não se esforça em nenhum instante em construir algo a altura de sua ideia, que por sua vez, é brilhante e (tenta) trazer discussões necessárias.


A trama é curiosa e poderia até dialogar bem com os dias de hoje, se não fosse o pobre tratamento que recebe. Inclusive, funcionaria como um episódio de "Black Mirror", ainda que nunca alcance a genialidade e ousadia da série. Acompanhamos a vida da jovem Mae Holland (Emma Watson) que, vinda de uma família humilde, sonha em dar condições melhores a seus pais. O jogo muda quando ela é, enfim, contratada em uma empresa renomada de tecnologia e informação. Lembrando a grandeza e despojamento da Google, o local criou algumas ações para melhorar a comunicação interna e aumentar a confiança e conexão entre seus membros, fazendo com que Mae ganhasse pontos a cada nova interação com os outros e a cada avanço em seus atendimentos com os clientes. Apesar de estranhar tamanha invasão, ela decide aceitar ser cobaia de um enorme experimento desenvolvido pelo chefe (Tom Hanks), que visando levar a informação do mundo mais perto dos usuários, decide monitorar as ações da jovem aprendiz, vigiando e revelando toda sua rotina a quem tivesse interesse. 

O trailer me pareceu interessante, assim como sua premissa e sempre me perguntei o porquê da crítica ter sido tão negativa. A cada nova cena de "O Círculo" é possível compreender a razão. O filme segue em uma triste ladeira abaixo, nunca reergue e nunca tenta ser mais do que se espera dele. É lamentável ver todo seu conteúdo, que poderia ter sido utilizado em um produto mais interessante, ser jogado fora nesta obra que tem tanto a dizer, mas se recusa a todo custo. É bizarro toda a construção da protagonista, a colocando, talvez, no topo da lista entre as piores do ano. Não há como entender suas motivações que se alteram de uma sequência para outra. Não há como compreender nem mesmo o que ela sente diante de tantas coisas que acontecem ao seu redor. Ela não reage, não evolui, não se envolve. É estranhamente apática ao caos. Complicado entender o filme quando o roteiro nos insere em seu universo através de uma personagem tão sem vida. Tudo piora quando os indivíduos ao seu redor são, também, surpreendentemente estúpidos. 

Eu não sei até que ponto Emma Watson é fraca como atriz ou apenas mal dirigida. O mundo ao seu redor sofre constantes mudanças e ela não consegue expressar nada com sua estranha passividade. Nunca sabemos o que passa na mente da personagem e Watson não facilita. Tirando Tom Hanks, que se firma como a melhor coisa existente na obra, se mostrando bastante confortável no papel, o restante do elenco entra em uma disputa acirrada de quem vai pior em cena. Se Ellar Coltrane incomoda por sua inexpressividade,  Karen Gillian surge irritante e não convence em suas transformações, dando vida a uma personagem sem lógica alguma. Temos ainda um ótimo John Boyega, que como tudo aqui, é mal explorado.

"The Circle" nos faz refletir sobre alguns assuntos interessantes, em como a tecnologia é desenvolvida sempre com o pretexto de que é para nosso bem, com aquele pretexto de que "saber é bom, saber de tudo é ainda melhor" e nem sempre paramos para pensar até que ponto é melhora de vida, é conhecimento, até que ponto é invasão, é controle. Fala ainda, sobre a evolução  dessas grandes corporações, que maquiam a manipulação com diversão e despojamento. A cultura do pão e circo está viva, só tem novas nomenclaturas. Além das boas intenções, a obra acerta na produção, nos colocando naquele ambiente inovador de trabalho e convencendo nas possibilidades de tudo aquilo, fazendo um jogo bem eficaz de edição e inserções gráficas. É triste, então, quando, nitidamente, existia um material bom para a realização de um filme que dialogasse tanto com nosso tempo e vemos, pouco a pouco, cena a cena, belas ideias sendo destruídas por algo pouco inspirado, preguiçoso e irresponsável por ter chance de criar um debate e ser crítico mas se perde e só o que consegue é oferecer um produto descartável, facilmente esquecível.

NOTA: 5




País de origem: EUA
Duração: 115 minutos
Distribuidor: Imagem Filmes
Diretor: James Ponsoldt
Roteiro: Dave Eggers, James Ponsoldt
Elenco: Emma Watson, John Boyega, Tom Hanks, Karen Gillian, Ellar Coltrane





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