segunda-feira, 23 de maio de 2016

Crítica: A Garota de Fogo (Magical Girl, 2014)

Quando os desejos trazem consequências inimagináveis.

por Fernando Labanca

"A Garota de Fogo" é apenas o segundo longa-metragem do diretor Carlos Vermut, que fez sucesso pelos festivais em que passou, inclusive na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, além de ter conquistado algumas importantes premiações e indicações, como Melhor Filme e Melhor Roteiro Original no Prêmio Goya do ano passado. É aquele tipo de obra que quanto menos você souber do que se trata, mais impactante será sua experiência. Uma mistura interessante de drama e suspense, o filme ainda carrega uma forte tensão sexual e com toda a seriedade e complexidade de seus temas, além da excelente condução, logo remetemos aos bons trabalhos de Almodóvar.

Dividido em alguns capítulos, vamos aos poucos tentando desvendar sobre o que realmente é a trama. Tudo o que sabemos em seu começo é que Luis (Luis Bermejo) é um professor de literatura desempregado que deseja realizar o último sonho de sua pequena filha, Alicia (Lucía Pollán), que sofre de leucemia. Ela deseja ter o vestido do anime Magical Girl Yukiko, porém Luis logo descobre que se trata de uma peça rara e extremamente cara. Seu plano, porém, começa a ter outro rumo quando sua vida cruza com a de Bárbara (Bárbara Lennie), uma mulher problemática que vive sob medicamentos. O ciclo se fecha quando entra em cena o professor aposentado, Damián (José Sacristán), que possui uma ligação forte e misteriosa com Bárbara.


Em certo momento, Luis encontra uma peça de um quebra-cabeça jogado na rua. Um bom tempo depois, outro personagem não consegue finalizar seu jogo devido a parte que falta. Assim como retrata este estranho acontecimento, toda a trama vai sendo costurada como um quebra-cabeça que jamais estará completo. Ao optar em deixar importantes lacunas em aberto, parte do filme ocorre em nossa mente, logo que o roteiro trabalha muito com a sugestão, onde nem todas as informações estão na tela, precisamos deduzir muita coisa para que no fim tenha o sentido que desejarmos. Entre simbolismos e metáforas, o longa se permite ter diversas interpretações e esta é sua grande beleza. Além desta subjetividade que fascina, vemos também um filme intrigante, que nos coloca para dentro da trama em seu início e não nos deixa sair até que termine.

É estranho como o filme consegue passar uma constante sensação de desproteção, como se algo de ruim ou extremamente trágico pudesse acontecer a qualquer momento. Existe em cena uma atmosfera densa, perturbadora, ilustrando sempre o caos vivido por seus personagens. O caos que nasce como reflexo de seus desejos, onde uma pequena ação no início acaba desencadeando uma sequência de eventos que os colocam a prova, em atos que revelam esta capacidade de autodestruição do ser humano. O elenco é forte e segura bem a atenção do público, entregando a tensão e seriedade necessária para seus incríveis diálogos.

Nunca sabemos do que exatamente se trata "Magical Girl", aonde a trama e seus personagens pretendem chegar. Logo, ficamos presos, tentando decifrar seus códigos, tentando encontrar significado para cada ação, pois sempre deixa a sensação de que o que vemos não é o todo, existe uma parte que falta, existe uma lógica que está acima de nossa compreensão. E esta dúvida, esta inquietação é que permanece quando termina. Por fim, surpreende ao sempre entregar um rumo no qual não fomos capazes de prever, chegando a um final inesperado, chocante. Uma obra fantástica, que me deixou sem palavras e sem reação por muitas vezes, é simplesmente incrível como Carlos Vermut conseguiu construir uma obra tão tensa mesmo que desenvolvida tão lentamente, sem pressa. Não há como desviar o olhar quando existe a nossa frente algo tão intrigante e tão único.

NOTA: 9







País de origem: Espanha, França
Duração: 127 minutos
Distribuidor: Esfera Cultural
Diretor: Carlos Vermut
Roteiro: Carlos Vermut
Elenco: Bárbara Lennie, Luis Barmejo, José Sacristán, Lucía Pollán

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