quinta-feira, 6 de novembro de 2014

Crítica: Cinema, Aspirinas e Urubus (2005)

Longa de estreia do diretor Marcelo Gomes, o filme fez parte da Mostra "Um Certo Olhar" de Cannes em 2005, além de ter vencido diversos prêmios, inclusive os principais no Grande Prêmio do Cinema Brasileiro. É, com certeza, e isso fica nítido nos primeiros minutos, umas das obras mais incríveis que o cinema nacional lançou desde sua "retomada".

por Fernando Labanca

No ano de 1942, acompanhamos Johann (Peter Ketnath), um alemão que fugiu da Segunda Guerra Mundial e veio parar no sertão nordestino como vendedor de aspirina, até que conhece Ranulpho (João Miguel) no meio do caminho, que pretende chegar no Rio de Janeiro à procura de trabalho. Já que estava por ali mesmo, Ranulpho decide ajudar o estranho nas vendas, parando em algumas cidades do interior e exibindo filmes promocionais do remédio, para uma população que desconhecia o cinema. Deste encontro, nasce uma amizade, entretanto, diante de tudo o que acontecia no país da época, alguns de seus planos passam a ser alterados.

A arte de saber contar uma história. Até mesmo no cinema, nem todos detém deste poder, desta grande sabedoria. O grande trunfo de "Cinema, Aspirinas e Urubus" é justamente este, saber contar uma história, sem a necessidade de grandes reviravoltas ou conflitos, sem a necessidade de exageros ou diálogos forçados, tudo acontece de uma maneira deliciosamente natural, a trama flui a partir do momento em que temos dois personagens bem definidos, e a história depende unicamente deles. Mesmo tendo o sertão nordestino como cenário, Marcelo Gomes em nenhum momento ignora a seca ou qualquer problema social que exista no local, esta informação vem intrínseca, mas não deixa de ser apenas um pano de fundo, ele está mais interessado em seus protagonistas e nesta relação que nasce entre eles. E neste road movie, viajamos ao lado de Ranulpho e Johann, conhecemos seus sonhos, seus medos e a busca constante por uma vida melhor, através de diálogos que surgem quase como um improviso e de situações absurdamente naturais. O filme nos expõe esta genuína beleza de uma amizade, da rotina, da vida, a genuína beleza do cinema e o encantamento que nos desperta ao ver os olhos daquela população humilde ao ver imagens numa tela grande, mais do que isso, aquele êxito em conseguir contar uma história sem o uso de grandes artifícios, é bom porque é bom, apenas.


João Miguel é monstruosamente talentoso, talvez seja um dos nomes mais fortes do cinema nacional, isso falando de um filme de dez anos atrás e continua sendo. Que fantástico o que ele realiza aqui, seu humor, seu carisma, seu sotaque, a humildade de seu olhar, do sorriso, uma composição genial para um grande personagem. Peter Ketnath agrada com seu sotaque meio alemão, meio brasileiro, o cara possui um charme "beatnik", com seu desapego, seu despojamento e a química funciona com João, é realmente muito bom vê-los em cena. É belo a maneira como esta amizade vai sendo costurada, como já disse, sem exageros, e assim, encanta facilmente. No elenco, ainda vemos a talentosa Hermila Guedes e um Irandhir Santos fazendo figuração.

"Cinema, Aspirinas e Urubus" parece uma ruptura no cinema nacional, Marcelo Gomes renega algumas características do nosso cinema e constrói uma obra muito única, sensível e pura, extremamente simples e encantadora, fascinante. A direção de Gomes parece estar em outro nível, é fantástico tudo o que ele realiza com sua câmera, as cenas são altamente bem conduzidas. A fotografia é também belíssima, suas cores, seus tons, enaltecem o ótimo trabalho do diretor. E assim como muitas outras produções nacionais possui um grande problema de som, há cenas que infelizmente é impossível compreender o que os personagens estão falando. Em suma, vale muito a pena, para quem admira o cinema brasileiro, é, com certeza, um filme obrigatório. História simples, sem pretensões que ganha força por ter ótimos atores e um diretor extremamente competente. Recomendo.

NOTA: 9




País de origem: Brasil
Duração: 101 minutos
Distribuidor: Imovision
Elenco: João Miguel, Peter Ketnath, Hermila Guedes
Diretor: Marcelo Gomes
Roteiro: Karim Aïnouz, Marcelo Gomes e Paulo Caldas


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