sexta-feira, 23 de novembro de 2012

Crítica: 007 - Operação Skyfall (Skyfall, 2012)

Comemorando o 50º aniversário da mais longa série do cinema, "James Bond" chega nas telas com seu vigésimo terceiro filme, sendo o terceiro com Daniel Craig na pele do agente. Nada mais justo que contratar um diretor competente para tal celebração, Sam Mendes, o nome por trás de obras-primas como "Beleza Americana", "Foi Apenas um Sonho" e "Estrada Para Perdição", realiza aqui o que muitos apontam como o melhor de toda a série, mais do que isso, Mendes faz de 007 um dos melhores filmes do ano.

por Fernando Labanca

Ok, confesso. Sou a pior pessoa para analisar algum filme de James Bond, nunca fui fã, muito pelo contrário, sempre fugi desta série, nunca entendi o porquê dela ser tão longa e o porquê o cinema ainda apostar nela. Eis que nos últimos anos, com a entrada de Daniel Craig, tudo pareceu ter dado uma repaginada, e fui aos poucos o enxergando com um filme de ação assistível. Em 2012 quando lançado o tão esperado trailer de "Skyfall", pensei comigo mesmo...por que não? Foi então que decidi ir atrás do prejuízo, assití o mínimo que precisava para entender o novo filme, "Cassino Royale" e "Quantum of Solace". Para minha surpresa, queimei minha língua, os dois filmes me surpreenderam de forma bastante positiva, principalmente o primeiro e toda sua história bem elaborada e incríveis cenas de ação, e claro, tinha a presença estonteante de Eva Green. Portanto, este é ainda meu terceiro de toda a série, quem sou eu para compará-lo com os demais? Dentre os três, é de longe, o melhor...fato! Vou tentar analisá-lo de forma isolada, pois no fundo, é isso o que "Skyfall" é, um novo filme de James Bond, sem muita ligação com que já fora feito até aqui, é o primeiro passo para uma nova jornada. Sam Mendes faz deste filme o que Paul Greengras fez com o gênero ação ao lançar os dois últimos filmes de Jason Bourne e, principalmente, o que Chris Nolan fez com o Batman na sua nova saga, aliás, tem nítida inspiração na trilogia de Nolan.

O filme já inícia com uma grandiosa cena de ação, como de costume, aquela introdução básica, no entanto, aqui somos surpreendidos, quando o plano dá errado e James Bond (Craig) é dado como morto. Isolado numa ilha, ele descobre através de noticiários os novos acontecimentos onde a vida de M (Judi Dench) corre perigo. Ela, que perdeu um HD contendo informações secretas como o nome dos agentes infiltrados em células terroristas, passa a ser perseguida, onde este vilão trascende o real, é um hackeador mestre capaz de controlar tudo o que deseja. Bond, então, retorna, pela nação a quem sempre protegeu e por M. Ele, com a ajuda da agente Eve (Naomi Harris) cruza o planeta afim de encontrar o ladrão, e acaba se deparando com Silva (Javier Bardem), um ex agente do MI6, que tem além do poder de controlar tudo, a sede de vingança dos anos em que trabalhou lá, trazendo a tona segredos não revelados do passado e fazendo Bond se questionar sobre sua escolhas.


A palavra que define "Operação Skyfall" é surpreendente. A história é boa, convence, havia muito tempo em que não me deparava com um filme de ação como este, com direito a espionagem e cenas de perseguição de deixar o queixo caído, tudo com um propósito, o roteiro que conseguiu organizar tantas ideias, construir personagens tão bons que diferente de outros filmes do gênero, não eram apenas peças no tabuleiro. Surpreende a cada passo que a trama segue, desde as primeiras cenas fugindo da previsibilidade, onde o mocinho falha e James Bond deixa de ser o herói indestrutível e robótico, e o vilão tão complexo que nos confunde, já não sabemos do que ele é capaz e de como todo aquele jogo irá terminar. Parece haver um padrão para os filmes de 007 e "Skyfall" consegue quebrar com todos eles. Surpreende ainda pelos pequenos detalhes, como quando Q (Ben Whishaw) zomba de Bond ao dizer se ele esperava uma caneta que explodia, ou quando o caseiro (Albert Finney) lhe entrega um canivete mesmo quando ainda possuía enormes e potentes armas de fogo, momentos que também definem este novo filme, onde todo o roteiro parece caminhar para eles, como quando M é questionada sobre estar velha demais para fazer o que faz, "Operação Skyfall" é uma celebração do antigo, dos velhos modos, e mesmo com uma nova roupagem, novos artifícios para conquistar um novo público, jamais se esquece daqueles que o seguiram durante estes vinte e três filmes, mais do que isso, usa este discurso como prova de que o experiente também é capaz de inovar, e mesmo depois de tantos anos, 007 ainda tem espaço no cinema, e toda a equipe envolvida neste projeto, conseguiu, em 146 minutos, provar isso.

O que chama ainda a atenção é sua elegância, do humor refinado aos diálogos rápidos e muito bem elaborados, ao seu visual, com bons efeitos visuais, fotografia impecável, imagens encantadoras, os cenários, as incríveis locações que fazem de 007 ganhar uma proporção ainda maior, dos automóveis, figurinos, enfim, elementos tão bem cuidados que não tinha como dar errado. É interessante o cuidado da produção com o visual, querendo ou não, fazem a diferença e com as mãos de Sam Mendes o resultado é ainda mais positivo, pois ele transforma cada cena em eventos grandiosos. Ainda temos, o clipe de introdução, dessa vez ao som de Adele, muito boa a canção e as imagens que surgem ao fundo são de um primor admirável, assim como todo o filme.

Os atores tiverem ainda mais chance neste novo 007. Daniel Craig, no entanto, não tem muito o que fazer ali a não ser o de sempre, convence como agente, durão, mas são os coadjuvantes que se destacam. Naomie Harris surge belíssima, muito diferente do que conhecemos, a eterna Tia Dalma de Piratas do Caribe, é carismática e faz bonito em cena. Judi Dench é Judi Dench, sempre incrível, não há nem muito o que discutir, parece se divertir na pele de M, mas dessa vez trás um tom mais sério a sua personagem, ganhando mais destaque na história e realizando grandes cenas. Do elenco, ainda encontramos astros do cinema britânico como Albert Finney, Ralph Fiennes, Ben Whishaw e Helen McCrory, todos ótimos. Porém, quem acaba roubando a cena é o vilão, o grandioso vilão, Javier Bardem, totalmente transformado, o ator surpreende, trás humor e complexidade e eleva ainda mais o nível da produção.

"Operação Skyfall" é um marco, definitivamente. Uma obra que merece ser vista, para quem gosta de espionagem e cenas de ação não se decepcionará, o filme oferece o que há de melhor em tudo isso, as cenas são incríveis, um conjunto de efeitos visuais e sonoros, direção extremamente competente, somado a uma trilha sonora que faz a diferença, assinada por Thomas Newman. Recomendo também para aqueles que nunca acompanharam 007, é um novo início que merece uma chance. Recomendo, acima de tudo, para aqueles que admiram uma obra de qualidade, um filme de ação raro, daqueles que surgem de tempos em tempos, onde há profundidade nos personagens, há atores decididos a fazer algo muito além do mesmo, há um roteiro bem escrito e um diretor, que definitivamente, não brinca em serviço, sabe o que faz e faz muito bem, porque fazer o que Sam Mendes fez aqui, não é para qualquer um. Não sei dizer se é o melhor da série, mas sei dizer, com toda a certeza, é um dos melhores filmes deste ano.

NOTA: 9,5 




domingo, 18 de novembro de 2012

As Vantagens de Ser Invisível (The Perks of Being a Wallflower, 2012)

Desde já, um clássico do cinema contemporâneo.

por Fernando Labanca

Baseado no livro de Stephen Chbosky, que também escreveu e dirigiu o filme. Tem sua trama guiada através de cartas destinadas a um anônimo, escritas por um garoto deslocado e tímido contando sua vida no início do colégio, enfrentando seu maior medo...não ser aceito por nenhum grupo. A história se passa no começo da década de 90, tendo então o cuidado da produção em reinventar aquela época, desde os figurinos e detalhes saudosistas como as fitas cassetes, além da trilha sonora, muito bem selecionada. "As Vantagens de Ser Invisível" ainda conta com atuações marcantes de um trio extremamente talentoso, Logan Lerman, Emma Watson e Ezra Miller.

Conhecemos Charlie (Lerman), aos seus dezesseis anos, iniciando seu colégio. Solitário, não consegue interagir com outras pessoas, além de ter que conviver com alguns dramas do passado como a morte de seu melhor amigo e de sua tia, a pessoa que mais o inspirava. Sente que não faz parte daquele mundo e a única pessoa com quem consegue conversar é seu professor de inglês (Paul Rudd). Até que tenta forçar amizade com um dos veteranos, o carismático Patrick (Miller), que logo o apresenta a seu grupo, o grupo dos desajustados, jovens não populares que seguem seus próprios caminhos. É neste grupo que ele conhece também, Sam (Watson), com quem logo se apaixona. Pessoas que o fazem sentir finalmente vivo, que lhe provam o que é amizade e juntos enfrentam os dilemas dessa fase, do uso de drogas, homossexualismo, sexo, onde tudo é novidade e tudo é muito mais intenso.


Escrito e dirigido pelo próprio autor do livro, é nítido o quão pessoal é esta obra para Stephen Chbosky, talvez somente ele seria mesmo capaz de levar esta ideia de forma tão honesta, tão verdadeira, se fosse outra pessoa, quem sabe "As Vantagens de Ser Invisível" se tornasse algo banal, logo que o que vemos na tela não é nada tão original assim, a história do garoto deslocado, sofrendo bullying, os dilemas da adolescência, amizade, enfim, elementos que já estiverem presentes em outros títulos e este tinha tudo para ser mais um, mas não é. O trunfo do filme está em suas entrelinhas, não exatamente sobre o que ele conta, mas sim, como ele conta. É um filme sobre uma geração, é sobre sentimentos, muitos longas já nos mostraram sobre o que é ser jovem, mas nunca de forma tão sincera como este, um dos únicos que realmente entende o que é ser jovem, de forma madura, crua, levando a sério até mesmo os conflitos mais pequenos da adolescência, trazendo a intensidade necessária para cada situação, nos envolvendo, nos encantando com cada cena, cada personagem, vivenciamos cada passagem, sentimos, rimos, nos emocionamos como se estivéssemos ali, como se Sam e Patrick também fossem nossos amigos, torcemos por eles, sofremos por eles. É interessante como o roteiro não caminha por caminhos fáceis, trazendo profundidade e complexidade aos personagens, é então que compreendemos que "The Perks of Being Wallflower" não é só mais um filme sobre adolescentes para adolescentes, é mais um dos méritos do longa de Chbosky, entender os jovens mas de forma universal, de maneira a conquistar também os mais adultos, aqueles que sentem falta dos tempos de colégio e como todas aquelas aventuras eram gostosas, como tudo era vivido com mais intensidade, os dramas, as amizades, e com um delicioso clima nostálgico, o autor e diretor nos trás, uma das obras mais adoráveis deste ano.

Chbosky pode não ser um grande diretor, mas ainda assim realiza cenas marcantes. O que dizer do trio ouvindo "Heroes" de David Bowie no carro? Ou a dança no baile do colégio? Enfim, cenas que ficarão na memória de tão belas, divertidas ou simplesmente bem feitas. Chega a ser um exagero de tantas coisas boas que vemos, diálogos que inspiram e trazem grandes reflexões, personagens bem escritos e muito bem desenvolvidos. E como disse anteriormente, elementos saudosistas que nos levam de volta ao início da década de 90, fazendo de tudo isso ainda mais gostoso de se ver. A trilha sonora faz sua parte, assinada por Michael Brook, o mesmo que encantou o público em "Na Natureza Selvagem", encanta mais uma vez, uma seleção de excelentes músicas que farão muita gente cantar junto, com clássicos como Bowie, New Order, The Smiths e Sonic Youth, entre outros.

"As Vantagens de Ser Invisível", através de sua narrativa extremamente sensível, comove pelos detalhes. Charlie é um personagem muito interessante, enigmático, por muitas vezes, onde somente no final entendemos o que de tão trágico aconteceu em seu passado que interferiu em toda sua personalidade, e surge não como forma de justificar suas atitudes, mas para ilustrar o quão atormentado era aquele garoto. Sam e Patrick também possuem lá seus dramas e tudo é muito bem cuidado pelo bom roteiro, principalmente Patrick enfrentando os conflitos por ser homossexual, e é com ele que a trama alcança bons momentos dramáticos, onde nada é tratado de forma superficial. "Aceitamos o amor que acreditamos merecer", é através desta frase que muito dos conflitos são guiados. Patrick que enfrenta a dor de não ser aceito até mesmo por aquele a quem ama, a irmã de Charlie que aceita ser violentada pelo namorado, Sam que namora os piores caras por nunca acreditar em seu próprio potencial, sem nunca se dar conta do quanto é especial e por fim, Charlie, que encara a solidão da vida por acreditar que seja digno de nada, não é bom o bastante para aqueles que ama.

Logan Lerman, que é mais conhecido por protagonizar "Percy Jackson", ganha enfim, um papel digno de seu talento, emociona com seu Charlie e trás verdade a cada um de seus dramas. Ezra Miller que já havia surpreendido em "Precisamos Falar Sobre o Kevin" no começo deste ano, consegue fugir completamente de seu perturbado personagem e trás uma atuação, ainda assim muito forte, mas revela ainda um carisma não conhecido, e se mostra um ator, apesar de muito jovem, muito competente. Emma Watson prova que seu talento vai muito além de Hermione, é uma promissora atriz, ela brilha em cena, encanta com cada sorriso, cada fala, emociona com sua sensibilidade e faz deste filme um evento ainda mais marcante. Ainda temos bons coadjuvantes como Mae Whitman e Paul Rudd.

Tem todos os elementos para um dia se tornar "cult", e desde já, o vejo como um clássico. Pois pouquíssimos filmes conseguiram ir tão a fundo na mente e nos sentimentos dos adolescentes e todo este universo dramático, divertido, inconsequente, controverso. Que respeita aqueles que vivem e que vivenciaram esta época, não banalizando seus problemas, seus dilemas. Um filme sensível e muito honesto em sua proposta, que ganha proporção ainda maior quando três grandes atores se jogam de forma intensa e convincente, repleto de boas intenções e de momentos que ecoarão na memória, como lembranças de um momento, que mesmo vindo da ficção, parece, agora, fazer parte de nossas vidas. "As Vantagens de Ser Invisível" nos faz sentir infinitos, ou pelo menos, nos dá aquela sensação de voltar no tempo e fazer com que tudo dure para sempre.

NOTA: 9




sexta-feira, 9 de novembro de 2012

3 em 1: HITCHCOCK


Alguns diretores de cinema tiveram suas filmografias marcadas na história, obras atemporais que farão sentido muitos anos depois de serem lançadas. Alfred Hitchcock (1899 - 1980) é um deles, tem em sua lista de filmes verdadeiras obras-primas que até hoje são lembradas como as melhores de todos os tempos. O que faço aqui, nada mais é que comentar três filmes que tive a oportunidade de ver recentemente e que vale a pena comentar, e porque não, tentar incentivar os novatos, assim como eu, a conhecer esta estranha e interessantíssima mente de Hitchcock.

por Fernando Labanca



Janela Indiscreta (Rear Window, 1954)

Filmado inteiramente em apenas dois cenários, o quarto do protagonista e o condomínio no qual ele vive, ou seja, a vista de sua janela. Logo, tinha tudo para ser monótono, mas não é. Toda a trama se concentra no mesmo lugar, os personagens não se movem, a paisagem nunca muda, no entanto, sua história é crescente e o bom roteiro prende a atenção, assinado por John Michael Hayes e baseado no conto "It Had to be Murder" de Cornell Woolrich. Teve uma refilmagem no ano de 1998 com Christopher Reeve e Daryl Hannah nos papéis principais, além do suspense "Paranóia" (2007) de D.J Caruso, no qual teve grande inspiração. Recebeu quatro indicações ao Oscar, Melhor Diretor, Fotografia, Roteiro e Trilha Sonora.

Em um bairro de Nova York, o fotógrafo profissional Jeffries (James Stewart) se mantem confinado em seu apartamento por ter quebrado a perna enquanto trabalhava. Para perder seu tempo, ele passa as horas de seu dia observando seus vizinhos, tentando compreender a rotina de cada um, da dançarina ao compositor festeiro, do casal apaixonado à mulher "coração partido", cada um com seu mundo vivendo numa diferença de poucos metros. Eis que certa noite, vê algo muito incomum, a saída repentina de um vizinho durante a madrugada, logo, o sumiço de sua esposa, fazendo Jeffries crer que o homem seja um assassino e passa a coletar provas, através de seu binóculo, para incriminar o desconhecido. Para isso conta com a ajuda de sua namorada, Lisa (Grace Kelly), que logo se vê interessada no caso, ao mesmo tempo em que precisa reatar os laços com ele, logo que os dois vivem discutindo por suas diferenças.

Como disse anteriormente "Janela Indiscreta" tinha todos os elementos (ou a ausência deles) para ser algo monótono, mas não é graças ao roteiro bastante dinâmico, mesmo diante de um cenário tão limitado, acaba usando os diálogos e as situações para ganhar ritmo e consegue. Era necessário um excelente diretor para comandar tudo isso, Hitchcock prova todo seu talento, a maneira como compõe cada sequência, o bom uso da câmera que caminha por toda a vizinhança e entra no apartamento de Jeffries sem corte, captando cada elemento importante para a compreensão da trama. Com sua câmera subjetiva, nos faz entrar dentro da obra, somos o protagonista, o que ele vê também é o que vemos, o prazer que Jeffries sente ao invadir a privacidade dos outros, passa a ser o nosso prazer também. Hitchcock sabe brincar com essas possibilidades que só o cinema é capaz.

É uma mistura de gêneros bem ordenada, do suspense que nos envolve, que nos faz querer revelar os mistérios, da comédia que diverte com seus diálogos bem escritos e o doce romance entre o casal principal que no meio de tanto mistério precisam se resolver. Tudo isso funciona também graças ao ótimo elenco, James Stewart demonstra toda a curiosidade e ansiedade de seu personagem e nos convence sobre suas ideias malucas, já Grace Kelly é uma beldade que encanta a cada palavra e trás uma naturalidade deliciosa para as cenas. Mas quem acaba roubando a cena é a enfermeira Stella, interpretada por Thelma Ritter, engraçada, entrando e saindo nas horas certas e com, definitivamente, os melhores diálogos.

"Inteligência. Nada causou a raça humana tantos problemas quanto a inteligência". Poderia listar aqui as tantas frases marcantes que o filme possui e são por elas que o filme acaba valendo a pena, pois de situações que de longe soam tão pequenas ou tão absurdas, o roteiro parece tirar o melhor proveito de tudo, de uma história simples, acabamos presenciando uma grande análise psicológica da sociedade. "Janela Indiscreta" é sobre o quanto é impossível julgar os outros pelo o que vemos de longe, como não há como julgar o vizinho pelo o que ouvimos através das paredes ou o que vimos pela fresta da porta, a vida que cada um guarda é um eterno mistério, o que o ser humano vive em sua privacidade jamais será compreendido, o que ele mostra ao mundo é a versão do que ele espera que os outros vejam, não necessariamente a versão real.

No entanto, toda a história tão detalhada se perde ao seu final, na pressa de acabar, tudo acaba se resolvendo de forma rápida e sem muito sentido, indo contra a tudo o que havia sido feito até ali. Porém, apesar de seu final fraco, não prejudica tanto o resultado geral, ainda é uma obra que merece respeito e admiração.

NOTA: 8



Um Corpo Que Cai (Vertigo, 1958)

Considerado para muitos como a obra-prima do diretor e presente em algumas listas como um dos melhores filmes de todos os tempos, "Um Corpo Que Cai" é mais uma vez uma mistura de gêneros, do suspense criado através de situações bem inusitadas que geram facilmente a curiosidade daquele que assiste, com um romance açucarado, com direito a beijos longos e diálogos inspiradores, típicos dos filmes daquela época. Indicado ao Oscar de Melhor Som e Melhor Direção de Arte, ficou marcado também pelo efeito criado pelo próprio Hitchcock em dar a famosa sensação de vertigem, muito utilizado em outros títulos, através do zoom e o afastamento da câmera. Baseado no livro "D'Entre les Morts" de Pierre Boileau e Thomas Narcejac, curiosamente, escrito com um único intuito, servir de base para o filme de Hitchcock.

John "Scottie" Fergunson (James Stewart) é um detetive que sofre de acrofobia, e graças a este medo, compromete uma missão em seu trabalho e devido a isso é afastado. Eis que um antigo amigo, sabendo de sua situação, entre em contato pedindo que ele encare mais um trabalho, observar sua esposa. Madeleine (Kim Novak) anda com um comportamento estranho nas últimas semanas, some de repente, age como se estivesse possuída por um espírito que a fizesse agir de forma suspeita. Scottie passa, então, a seguir a bela moça, e sem que pudesse controlar, passa a sentir uma forte atração por ela, ao mesmo tempo, uma curiosidade sobre seu caso, no qual, se mostra decidida a cometer um suicídio, no entanto, para salvá-la, o detetive terá que encarar seu maior medo, a altura.


"Um Corpo que Cai" tem uma história bastante imprevisível e este, sem sombra de dúvida, é seu grande mérito. Definitivamente não há como prever os próximos passos dos personagens e de suas tramas, onde cada cena caminha por um caminho desconhecido, indo totalmente na contramão do que se espera. A breve sinopse que coloquei é apenas uma pequena parte do plano maior, a premissa de uma louca viagem, cheia de mistérios, acontecimentos inusitados e um amor improvável. No entanto, até que toda a explicação inicial termine, o filme é bastante arrastado, morno, eu diria, sem nenhum grande momento ou algo que faça algum sentido, quando enfim, o longa começa a mostrar sua verdadeira face, suas reais intenções, é então que tudo passa a ficar interessante, os personagens crescem e as peças deste estranho quebra-cabeça começam a se juntar. É tudo muito original nesta obra, a relação de amor entre o casal é interessantíssima, é na verdade, o grande foco do filme, é belo o que ambos precisam enfrentar para enfim se amarem, Scottie, que precisa encarar o medo, encarar as mentiras e todo o plano mal intencionado que fazem as suas costas, Medeleine, encarar uma crise de identidade, desconstruindo sua personalidade para ser amada, onde já não mais se sabe quem ela realmente é.

Hitchcock constrói cenas bem marcantes, tem o dom da imagem e consegue trabalhar perfeitamente todos os elementos necessários para sua filmagem, desde as cores, como o vermelho gritante das estampas no restaurante, utilizando delas para criar e manipular o clima que precisa a cada situação, valendo citar a bela fotografia, deixando cenas como as da floresta parecerem verdadeiras pinturas. O cuidado com a escolha do figurino, construindo personalidades através deles, se utilizando ainda de inúmeros recursos, seja de efeito de câmera ou até mesmo de animações para nos inserir naquele louco universo de vertigem, nos colocando na pele do protagonista. Hitchcock nos oferece um cinema de grande qualidade, chega a ser belo o cuidado que ele tem com cada sequência, cada composição.

Apesar dos inúmeros pontos positivos, "Vertigo", mais uma vez, deixa a deseja em seu final. Tenho que admitir que é um final surpreendente, não há como esperar o que ocorre, no entanto, esta surpresa não é nada agradável. Chega a ser bizarra sua sequência final, não faz sentido, parece desrespeitar tudo o que havia sido feito antes, uma pena, deixando aquela sensação de que o filme precisava terminar e colocaram um final mais rápido, mais do que isso, deixando uma grande sensação de vazio. Claro, é Hitchcock, vale muito a pena ver, conhecer, só não espere por um final a altura das grandes ideias que o longa teve.

NOTA: 7 



Psicose (Psycho, 1960)

Para muitos, o grande clássico do terror. Para outros, o melhor filme de todos os tempos. Dentre tantos títulos que alcançou ainda é reconhecido por sua cena épica, o esfaqueamento no banheiro, a sequência que parece definir o gênero. "Psicose" de Hitchcock marcou sua época e hoje é visto como obra-prima. Baseado no livro de Robert Bloch, no qual o diretor gastou milhões para ter o direito e curiosamente, gastou mais milhões para comprar todos os livros já no mercado para impedir as pessoas de lerem e descobrir o final antes de ver seu filme, logo que, seu final é a grande arma da trama. Indicado ao Oscar de Melhor Diretor, Direção de Arte, Fotografia e Atriz Coadjuvante (Janet Leigh). Teve uma refilmagem em 1998 por Gus Van Sant que foi bastante criticada e tinha Vince Vaughn (?) e Anne Heche nos papéis principais.

Marion (Janet Leigh) é secretária de uma imobiliária, tudo parecia normal até que ela decide não depositar os quarenta mil dólares de seu chefe no banco, guardando as notas em sua bolsa e fugindo daquele lugar sem demonstrar medo das consequências, pega a estrada sem destino e cansada, decide parar num motel antigo, o Motel Bates. O local já quase não recebia hóspedes, devido o desvio da estrada principal. É comandado por Norman Bates (Anthony Perkins) que tenta levar adiante o negócio iniciado por seus pais, seu pai havia morrido e sua mãe ainda morava num casarão logo ao lado do Motel. Marion, é então, recepcionada por este bom rapaz, tímido e sem jeito com as palavras, os dois acabam iniciando uma longa conversa, não muito tempo depois ela é esfaqueada, brutalmente assassinada no banheiro de seu quarto. A partir de então, o Motel Bates passa a ser visitado por aqueles que procuram Marion e por aqueles que procuram o dinheiro sumido, sem saberem que ali havia inúmeros outros mistérios.


O grande clássico do terror é bem diferente do terror que hoje conhecemos ou até mesmo do que definimos de terror. Há poucos sustos, a violência é bem sutil e rápida e pouco tememos pela vida dos personagens. É o conhecido terror psicológico, todo o mistério que ronda aquele lugar é o que acaba nos envolvendo e nos fascinando, o mistério por trás da morte da até então protagonista, o que há por trás daquela cena tão surpreendente, muito mais do que tudo isso, o que há por trás da mente daquele indivíduo chamado Norman Bates, ele é o terror do filme. Filmado em preto e branco, por opção do diretor, por não querer fazer um filme "ensanguentado" demais. Este é Hitchcock, criando um terror sem muitas mortes e pouco sangue, provando que o que vemos hoje está muito longe de ser terror, há muito com que se aprender com "Psicose".


Lançado numa época onde estranhamente, as pessoas não tinham tanto interesse em permanecer na sala de cinema até o final da obra, Hitchcock vem com todas as armas possíveis para prender seu público e consegue. Matar a protagonista antes da metade do filme, uma das atrizes mais famosas e queridas da época, é uma ousadia que pouco se vê. Seu final é outra grande aposta de Hitchcock, a curiosidade que causa durante toda a trama para enfim descobrirmos as verdades e a espera vale muito a pena. Diferente dos outros títulos que vi, "Psicose" tem um final digno, perturbador, complexo, doentio, nos revelando uma das personalidades mais enigmáticas da história do cinema, Norman Bates.

Anthony Perkins faz de Norman um personagem épico, toda sua construção detalhada, seus olhares, seu sorriso tímido, onde na mesma cena consegue transformar toda sua doçura em psicopatia, por ele já vale a pena conferir a obra. Vencedora do Globo de Ouro, Janet Leigh também convence na pele de Marion. Um bom elenco, diálogos mais uma vez, bem pensados, fotografia impecável, uma direção segura, um roteiro bem elaborado com direito a um final excelente, elementos que fazem de "Psicose" um marco. É interessante como mesmo vendo hoje, a obra faz muito sentido. É claro que é preciso ver compreendendo a época em que foi lançado e o que era feito, entendo as limitações de filmagem e tudo o que hoje parece forçado mas antes era natural para aquele cinema, e levando tudo isso em consideração, "Psicose" é um grande acerto de Alfred Hitchcock e é com esta resenha que encerro minha postagem. 

NOTA: 9

sábado, 3 de novembro de 2012

Crítica: Ruby Sparks - A Namorada Perfeita (Ruby Sparks, 2012)


Para aqueles que assim como eu sempre se perguntaram por onde andavam o casal, Janathan Dayton e Valerie Faris, responsáveis por "Pequena Miss Sunshine", filme lançado em 2007, eis aqui uma grata surpresa, o mais novo projeto, distribuído em pequeno circuito, pequeno demais para uma comédia romântica..."Ruby Sparks". A história de um autor que se apaixona por sua cria, tão original quanto divertido, tão doce quanto sombrio.

por Fernando Labanca

Calvin (Paul Dano) é um jovem autor de livros, no qual tem grande reconhecimento por suas obras mas que anda com um certo bloqueio criativo e assim não mais consegue desenvolver uma história. Eis que decide por no papel através de sua antiga máquina de escrever aquilo que estranhamente invadia seus sonhos, uma linda garota ruiva chamada Ruby Sparks, começa então a criar uma trama para ela, o que ele não esperava é que certo dia, Ruby aparece em seu apartamento, como se os dois já tivessem um histórico juntos. E como uma extensão de seus sonhos, Calvin passa a desfrutar desta incrível relação, sua personagem ganha vida e para sua surpresa interage com seu mundo, provando ser real. O problema começa quando Calvin ciente de que pode controlá-la, passa a desconstruir Ruby, criando a imagem de uma mulher perfeita, sem se importar com as consequências dessas alterações.


Chegou tímido nos cinemas, mas é bem provável que aconteça o mesmo que aconteceu com "Pequena Miss Sunshine", ganhou o público pelo boca-a-boca, espero ouvir muito a respeito deste filme que de fato merece sucesso, merece ser reconhecido da mesma forma que a primeira obra do casal de diretores foi. Em certo momento, por pura ironia do roteiro, um personagem discute sobre bandas de rock alternativo, que após conquistarem a crítica pelo excelente primeiro trabalho são assombrados logo no segundo álbum, onde inúmeras apostas são feitas esperando que a excelência se repita. Este é exatamente o caso de Jonathan e Valerie, não há como não se esperar muita coisa do segundo trabalho, ainda mais quando se faz tantos anos que sumiram. Para meu grande alívio, "Ruby Sparks" superou todas minhas expectativas, é bem complicado compará-lo ao "Miss Sunshine", são obras bem diferentes, com propostas diferentes. Este segundo longa, porém, agrada pelos mesmos motivos, pela simplicidade, pela delicadeza e principalmente pela originalidade. A comédia romântica é aquele tipo de filme que nem sempre acerta, devido ao grande número de tramas com digamos, o mesmo começo, meio e fim, eis que de tempos em tempos somos prestigiados com obras como "Ruby Sparks", que surgem para revitalizar o gênero, dar novo fôlego, aparece com ideias totalmente novas, que envolvem do começo ao fim, que surpreendem ao fazer o público questionar se o casal vai ficar junto no final ou não, logo que o bom roteiro oferece um leque de possibilidades, nos faz pensar, nos faz torcer, como pouquíssimos filmes do gênero conseguiram.

"Ruby Sparks", escrito pela jovem Zoe Kazan, que também atua no filme, é uma mistura deliciosa de realidade e fantasia, o romance de um autor e sua cria. No entanto, diferente de obras com a mesma intenção, a fantasia aqui vai além, justamente quando o roteiro passa a nos confundir, vai além de nos fazer duvidar da sanidade de seu protagonista, Ruby é real, as pessoas ao redor de Calvin a veem, a loucura não está na mente dele, nos faz questionar até que ponto a realidade deixou de existir, se tudo aquilo era um sonho ou se o sonho virou literalmente real. O entretenimento é garantido, a brincadeira funciona e nos faz embarcar fácil nesta original história de amor. A grande ideia se torna maior ainda quando há muito o que se falar dela, muito o que se pensar. "Ruby" é sobre o quanto queremos controlar as pessoas que amamos, o quanto é difícil aceitá-las, como se o amor nunca fosse suficiente, chega a ser genial a maneira com que o roteiro trabalha com isso, onde Calvin passa a manipular as escolhas e atitudes de sua namorada, a moldando aos seus padrões, construindo aquilo que ele acreditava ser o melhor para ele, é hilário ao mesmo tempo assustador ver Ruby se tornar a carente depressiva ou a felicidade em pessoa. O filme ganha uma complexidade maior ao estudar a estranha mente deste protagonista, mais do que querer a namorada perfeita, Calvin almejava o sucesso, mais do que alguém para amá-lo, ele queria alguém que beijasse seus pés, que dissesse e provasse que ele era o melhor, que fosse submissa a ele. Indo além que qualquer comédia romântica recente, este filme ganha proporções inimagináveis devido ao seu brilhante roteiro, que sai do óbvio, do esperado, que diverte, que faz pensar e que acima de tudo, emociona.

Nada seria deste projeto, porém, sem a presença de Paul Dano e Zoe Kazan. É belo a química dos dois, a naturalidade com que dialogam, seus olhares, seus sorrisos, há tanta verdade em cada sentimento que transmitem. Paul Dano consegue com perfeição passar a estranheza de Calvin, sua timidez, seu isolamento, seus transtornos, sua profundidade, sua paixão por Ruby, sua insatisfação, uma grande atuação, um incrível ator de comédia, um excelente ator dramático. E se em "Pequena Miss Sunshine", Dayton e Faris revelaram ao cinema Abigail Breslin, desta vez, trouxeram para a tela mais um grande talento, Zoe Kazan, que surpreende por seu roteiro, e que surpreende ainda mais por sua atuação, fazer Ruby, definitivamente não era uma tarefa muito fácil, há inúmeras oscilações e Kazan trabalha perfeitamente cada uma delas, apesar de jovem, tem um talento indiscutível, além de ser extremamente carismática, parece trazer brilho a cada cena. Ainda vemos boas participações como a louca família de Calvin, interpretada por Chris Messina, Antonio Banderas e Annette Bening.

Uma obra rara, um cinema que pouco se vê ainda mais se tratando de comédia romântica. Jonathan Dayton e Valerie Faris fizeram bonito em 2007 e agora, mais uma vez, marcam seus nomes em 2012, uma das maiores surpresas deste ano. Como diretores realizam um ótimo trabalho, há belas sequências, principalmente as envolvendo o casal principal, captam o melhor dos atores, e para finalizar nos entregam uma grandiosa cena, grande demais para o gênero, é neste ponto que se encaixa o doce e sombrio que citei no início, há uma profundidade assustadora, é neste momento que enxergamos a complexidade de tudo aquilo, numa intensidade bem teatral, diria que foi uma das sequências mais conturbadas no ano, simplesmente por em nenhum momento esperarmos por ela, ela chega de repente e faz o coração pulsar aceleradamente. É belo, é mágico, tudo o que o cinema tem de melhor é resgatado nesta brilhante obra e para aqueles, assim como eu, que amam também a escrita, é um prato cheio. Não só recomendo para quem admira comédias românticas, recomendo também para aqueles que admiram um cinema de qualidade. Romântico, engraçado, original, inteligente e emocionante. Não há como ver e não gostar, para se ter na prateleira e ver milhões de vezes.

NOTA: 9,5



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